quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

sonho de uma flauta

Sonhei você num daqueles sonhos de perfume e o teu cheiro me invadiu a lembrança. Permiti que esta vagasse para passados remotos, perambulando pelos cantos que chamávamos felicidade e me enchi de riso tímido, durante o sono. O vento quem trouxe teu aroma para dentro do meu quarto e fechei as janelas e portas para que você durasse o maior tempo possível. Enjoada do cheiro doce que é você, deixei que o vento voltasse, te pegasse pelas mãos e saísse, noite afora, viajando sozinho nessa noite de manto azul e estrelas nenhuma.

Embora tenhas se dissipado quase inteiro, uma réstia de cheiro teu impregnou-se nas paredes brancas de meu quarto e fui tomada por uma dor de cabeça interminável. Sentei abraçando as pernas, observando o laranja da luz se precipitar pela janela e recordando de outra luz amarela que brilhava em noites sem lua. Quis levantar, pegar uma caneta preta e rabiscar no concreto um nome, uma frase, um poema. Deixar letras impressas junto ao cheiro teu, uma noite nossa e sem presença sequer.

Deitei a cabeça no travesseiro e ansiei dormir. Quando o peito arde em chamas, o sono apaga todo o calor da dor que pulsa, anestesiando pouco a pouca, na medida que o sangue circula. Aquece. Esfria. Acalma. As pálpebras são as últimas a aquietarem-se. Relutam pela escuridão, querem mais e mais o sol da meia-noite, as estrelas roubadas, a cor azul do céu preto e os faróis, a irritar os olhos. Enfim, deitam-se. Permitem a minha frágil respiração entregar-se ao sono, mergulhar na escuridão de falsa tranqüilidade, deixando-me a nadar no cheiro da lembrança tua, embalando-me todo resto de noite.