Queria te contar da vida. Hoje, amanheceu um dia cinza, mas essa semana foi toda céu claro e, salvo hoje, o tempo não chorou uma só vez. Não gosto da ironia das nuvens que, quando mais queremos favor, elas nos são contra, avessas ao sentimento que machuca, que rasga o peito. Em contraste, o céu límpido. Flocos de nuvens raros e a sensação de traição do mundo: eu não gosto de ver beleza quando tudo é dor aqui dentro e, tal como eu, acredito que você também não.
Mas eu queria te contar da vida. Dizer que os pássaros cantaram nostalgia, que o beija-flor beijou a flor da janela, que o orvalho escorreu pela noite triste. E foi bonito. A vida, traída, é bonita, doce. O mundo tem sua própria maneira de tentar reconfortar e, por vezes muitas, ele não te faz companhia no sentir, do contrário, mostra que o belo continua existindo, mesmo quando tudo é triste. Talvez seja um meio — fraco — de fazer aliviar, de fazer continuar, de mostrar como é simples — não fácil — viver o passar dos dias, sem só sentar e esperar a vida passar.
O anjo que foi, sempre ficará. Assim penso eu, que sonho acordada com uma presença não mais constante, coisa que tu sabes de cor e salteado, pois sempre fizeste presença nessa parte da vida minha. Recente, bem sei, mas presente. Nenhuma dor dura pela eternidade, bonita. Rasga, machuca, sangra. Mas passa. Tal como os amores platônicos, a dor também passa. Tarda. E, enquanto tua dor não passa, enquanto tua ferida sangra, eu queria apenas dizer-te para que olhes a vida. Essa vida, bonita de muitas formas, irritante de tantas outras, mas ainda sim, vida. A vida de quem fica. A vida que fica. E que tem razões muitas para ser vivida.