sábado, 4 de julho de 2015

Meu quarto está cheio de bagunças e dúvidas espalhadas por todos os cantos, no armário algumas mentiras velhas e na varanda um ar de confluência, como se o tempo e o espaço traduzissem meus sentimentos. Meu estômago está revoltado, causando reviravoltas e fazendo-me estremecer diante o dia cinza que está lá fora. Parece que até o Sol acordou de mal comigo. Na inquietude de minha mente, tento me organizar. Tomar coragem para exercer minha então decisão, a dúvida sobre estar fazendo a coisa certa é o que me corrói e causa um certo constrangimento. Fico parado por alguns longos minutos, sento-me naquela antiga poltrona velha e então retiro o ultimo cigarro do bolso, saboreio como se fosse o ultimo de toda uma vida -talvez desta. Volto para minhas lembranças, coloco alguns trapos na mala, na cômoda encontro aquele meu blusão que caía tão bem no corpo dela. Meu olho brilha de amor, meu coração aperta e lágrimas escorrem pelo meu rosto, encontro até uma certa semelhança com a tempestade que escorre em minha janela e transforma o dia em melancolia e solidão. As lembranças não me deixam, em frações de segundos lembro-me da primeira vez que vestiu aquele blusão e ficou perdida dentro dele, fazendo-me rir e transbordar de tanta felicidade por termos tomado um banho de chuva em um dia claro e alegre. Aquele dia, aquela chuva, foi o que nos uniu por completo e fez todos 12 de fevereiro os mais felizes durante os próximos cinco anos. Mas cinco anos se passaram e hoje em um 06 de junho qualquer, a chuva retornou, mas não como nos dias em que ela procura abrigo no meu peito -detestava trovões. Desta vez, não haveria mais moradia no meu peito, nem carícias para esperar a tempestade sossegar. A chuva de hoje vem como uma despedida, como se os céus se revoltassem com o nosso fim e castigassem-nos com trovões e relâmpagos cada vez mais fortes, como se rompêssemos uma lei natural do universo. Não parecia certo nem para o destino, nem para mim. Mas sabia que era preciso, eu assim como minh’alma sentia necessidade de libertar-nos.
Em direção à sala, lembro-me como ela ficara linda subindo as escadas, desfilando e fazendo marra, no fundo só queria que eu a alcançasse e realizasse seus desejos proibidos. Me enlaçava em seu corpo, me envolvia em seus desejos, me arrastava para cama e me cobria de amor. Mas agora estou descendo e em instantes estarei cruzando aquela porta, abandonando nosso cais, deixando minha vida para trás. Cada lance de escada a menos, é uma dor a mais, é como se alguém chutasse meu estômago ou quebrasse cada membro do meu corpo.
Por fim, cheguei na sala e antes de deixá-la, resolvi olhar nossas fotos pela ultima vez, fiquei uma certo tempo parado ali, desejando que aquela felicidade nos envolvesse de novo, voltar ao inicio e fazer tudo diferente, talvez assim hoje eu não estivesse de partida, pois gostaria de ficar. Mas gostaria de ficar por algo que me fizesse vivo, por amor que não causasse dor. Tivemos nossa chance, fizemos tudo errado, nos perdemos. Não teve uma data prevista, tivemos tanto baques que por mais amor envolvido (amor este que jamais enfraquece), como seres humanos aptos a errar, somos incapazes de concertar. Nos amamos, mas algo dentro de nós mudou, nós cansamos de lutar. Amor sem responsabilidade e lealdade, é o pior tipo de amor. Nos acomodamos e quando percebemos, já era tarde.
Quando saio dos devaneios e volto pra realidade, escuto o barulho de chaves, alguém está abrindo a porta.
Estou em frente aquela linda mulher de cabelos negros, pele clara e olhos grandes e azuis. É a ultima vez que a vejo em nosso lar, meu coração está disparado e estou soando frio. Ela me fita com cara de cansaço, então olha para as malas e diz:
- O que são essas malas?
Demorou um tempo até eu associar suas palavras, só consegui prestar atenção em quão doce e suave é sua voz, voz que acalma(va) minha alma. Me virei para tirar a mala do caminho e então respondi:
- Desculpa, já deveria ter partido… Perdi a noção do tempo vendo o mural de fotos. - Não precisa ser assim, não pode fazer isso! Ela falava em um tom mais alto, deixando escapar lágrimas de seus olhos. Foi quando percebi que não podia ficar nem mais um minuto. -Já está tudo resolvido. - Por favor, por amor! Tirei o restinho de coragem que restava em meu peito e declarei: - EU NÃO AMO MAIS VOCÊ! Foi as palavras que mais relutaram para sair de minha boca, jamais imaginei que seria capaz de tal ato, de poder jurar diante a mulher que mais amei (e amo ainda mais a cada respirar) que o amor acabou. Eu sabia que não passava de uma grande mentira deslavada, mas sabia que era preciso declarar o fim -e declarei da forma mais dolorosa possível. Peguei a mala e fui, por Deus, eu nem sabia pra onde iria. Mas fui. Era preciso ir o quanto antes. Não queria vê-la chorar nem mais um segundo, não desejava que ela implorasse pr’eu ficar ou gritasse injúrias, eu não suportaria. Ao ouvir a porta bater, o frio invadiu minha barriga e todo meu ser soube que isto fora um adeus. Adeus meu amor, adeus parte de minha história. Adeus minha vida. Eu deixei algo pra trás, algo insubstituível e nem em mil anos preencherei essa lacuna novamente. Agora faço parte da paisagem vista daquela varanda, faço parte da liberdade. Estando livre, nunca fui tão preso. Me visto numa armadura e coragem. Porque o amor é libertar, é entregar sua amada para o mundo, sabendo que outro lhe fará feliz algum dia. É desejar com o coração partido que o seu amor seja feliz. Pois enquanto não temos coragem de ir ou só desejamos o bem se for ao nosso lado; não é amor, é ego. Precisamos estar em um nível mais alto de amor para entender que amar é também ter coragem para chegar ao fim, é assumir para o tempo o responsabilidade da cura e para o destino os próximos capítulos. Aprendi que amar não significa estar junto, mas sim querer ver a pessoa feliz, mesmo que isso custe a sua felicidade. Foi assim que a ensinei a libertar. (Com tantos pensamentos, nem me importei quando a chuva me pegou. As vezes é preciso se molhar para valorizar o Sol -quando vier).